Qual o limite das obrigações dos Planos de Saúde na pandemia?


A Constituição Federal elevou à condição de direito humano fundamental o direito à saúde, inserindo-o expressamente entre os direitos sociais, previstos no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais - artigo 6º, CF.

Além da previsão constitucional, o direito à saúde também está inserido no artigo 2º da Lei nº 8. 080/90 (Lei Orgânica da Saúde), que dispõe que é dever do Estado prover as condições indispensáveis ao pleno exercício do direito à saúde.

É nesta toada que o Estado é responsável por promover políticas e ações que garantam o acesso pleno da coletividade à saúde, que se pautam os ensinamentos previstos no parágrafo 1º do artigo 2º , da LOS :“O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

Assim, não há dúvidas de que à luz da Constituição Federal, bem como, da legislação ordinária, o Estado tem a obrigação de prestar serviço de saúde de forma integral e irrestrita.

Ocorre que, diante do cenário da pandemia do coronavírus, declarada pela OMS – Organização Mundial da Saúde, as operadoras de plano de saúde vêm suportando um ônus que a princípio não seria delas, porque são atribuídas a elas uma responsabilidade direta de medidas de saúde pública, que não lhes caberia enquanto planos de saúde que exercem cobertura suplementar.

Como exemplo, podemos citar a cobertura igualitária pretendida para diferentes contratações.

Aos beneficiários que contratam a cobertura ambulatorial não se admite o mesmo atendimento conferido àqueles que contratam planos hospitalares e que, portanto, teriam a cobertura continuada das internações.

Quando o beneficiário da cobertura ambulatorial judicializa o pedido de internação hospitalar e o judiciário, independentemente do tipo de contratação, confere o direito de permanecer internado como em outras formas de contratação, impõe-se aos planos de saúde um ônus desproporcional e desarrazoado, sobretudo num cenário de pandemia como este que estamos vivendo.

Isto quer dizer que, admitir o atendimento aos beneficiários de forma indiscriminada e sem observar as normas reguladoras gera um desequilíbrio contratual desmedido, impactando diretamente na atividade e prestação de serviços dos planos de saúde, podendo refletir, inclusive, no atendimento daqueles que contrataram efetivamente a cobertura pleiteada.

Não se trata aqui de impedir eventual tratamento, mas sim de conceder o tratamento adequado àquele beneficiário que contratou o serviço e paga por ele.

Igualmente, importante trazer à discussão a RN/ANS nº 453, que altera a Resolução Normativa - RN nº 428, de 07 de novembro de 2017, que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no âmbito da Saúde Suplementar, para regulamentar a cobertura obrigatória e a utilização de testes diagnósticos para infecção pelo coronavírus, quando o paciente se enquadrar na definição de caso suspeito ou provável da doença definido pelo Ministério da Saúde.

Ministério da Saúde nº 356 de 11 de março de 2020, que regulamenta a Lei nº 13.979/20, dispõe em seu artigo 8º acerca da necessidade dos laboratórios privados, validarem os testes junto a um dos mencionados laboratórios de referência nacional.

Ora, diante desta previsão, nos parece inútil que os planos de saúde sejam compelidos a custear os testes de diagnósticos da Covid-19 realizados por seus beneficiários, sendo razoável a realização dos exames diretamente nos laboratórios de referência nacional indicados na própria Portaria, a exemplo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/RJ) e o Instituto Adolfo Lutz da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo.

Neste ponto, cabe uma ressalva, pois, em que pese o entendimento de que os planos de saúde são obrigados a cobrir o tratamento da Covid-19, é indispensável a análise do tipo de segmentação assistencial contratada, isto porque, àquele que tiver cobertura exclusivamente ambulatorial, por razões lógicas não terá assegurado o direito a internações hospitalares, inclusive, UTI, como ponderado anteriormente.

Portanto, o que se observa é que diante a deficiência na prestação de serviços do Sistema Único de Saúde - SUS, criou-se a equivocada imagem de que as operadoras tem a obrigação de garantir indistintamente o acesso aos tratamentos, medicamentos e exames, quando na verdade, o dever é do Estado, devidamente reconhecido no campo constitucional, de proporcionar à coletividade a plenitude do acesso à saúde pública, tanto é, que podemos exemplificar com as campanhas de vacinação de combate à epidemia que não são imputadas como obrigação dos planos de saúde, mas sim do Estado.

Assim, deve-se considerar a cobertura que o beneficiário realmente contratou, evitando-se o repasse equivocado do dever constitucional do Estado de prover acesso pleno à saúde aos planos de saúde suplementar.