A possibilidade de monitoramento do deslocamento de pessoas e a privacidade dos dados individuais
Recentemente alguns Estados divulgaram que por meio de parceria estabelecida com empresas de telecomunicações, passariam a monitorar localização de celulares de forma a identificar possíveis aglomerações com o objetivo de atuar na contenção da pandemia do novo Coronavírus.
Seria esta uma medida legal e constitucionalmente correta? Passamos a análise dos dispositivos legais pertinentes ao tema, senão vejamos.
A legislação civil, igualmente, tutela a inviolabilidade da vida privada da pessoa natural, garantindo a ela a possibilidade de acionar o Judiciário para adoção de providências necessárias para impedir e fazer cessar atos contrários ao que determina a norma.
Na mesma esteira, o Código de Defesa do Consumidor garante aos consumidores acesso restrito aos seus dados pessoais, rechaçando a divulgação sem prévia autorização escrita pelo consumidor.
Na mesma linha, o Marco Civil da Internet também regula pontos importantes relacionados à privacidade dos usuários. Por esta lei, se admite o monitoramento e armazenamento de dados, apenas quando o provedor recebe ordem judicial neste sentido, preservando-se a privacidade dos dados individuais.
Temos assim em nosso ordenamento jurídico uma gama de normas que disciplinam o direito à privacidade, resguardando as garantias constitucionais.
Diante do cenário precário de saúde pública que estamos vivendo, temos que verificar se há alguma excepcionalidade que justifique a utilização dos dados, sob o argumento de que o interesse público predomine em detrimento do interesse particular.
Existem algumas interpretações possíveis.
Celso Ribeiro Bastos, diz que o direito à privacidade consiste na faculdade que cada indivíduo tem de obstar a intromissão de estranhos em sua vida privada e familiar, assim como, de impedir-lhes acesso a informações sobre a privacidade de cada um e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da manifestação existencial do ser humano.
Assim, bastaria verificar se no monitoramento atual haveria como individualizar a pessoa e, em caso positivo estaria violado o direito à privacidade dos dados pessoais. A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que teve sua vigência adiada mas serve como interpretação principiológica da proteção que se pretende dar aos dados pessoais, orienta sobre o uso, tratamento e consentimento de dados individuais, reforçando a respeito da inviolabilidade destes dados e autorizando o manejo dos dados de forma anônima e agregada, garantindo, a certeza de que os dados coletados serão realmente excluídos.
As empresas de telecomunicações informam que fornecem esses dados de forma estatística e anonimizada, mediante as informações obtidas por antenas, isto quer dizer que os usuários não são passíveis de identificação. Afirmam, também, que os dados serão salvos em uma nuvem e excluídos posteriormente.
Obviamente, dada a judicialização desta matéria, caberá ao Judiciário a definição sobre a legalidade destes monitoramentos.
Como argumento favorável aos defensores do monitoramento, vale mencionar que esta medida foi adotada em outros países, como China, Coreia do Sul e Israel, tendo sido considerada eficiente no auxílio de combate à pandemia.
De se mencionar que em sentido contrário, os críticos do monitoramento dizem não haver provas técnicas de que as informações se restrinjam a localização do celular e que ele sempre será associado a pessoa em nome da qual ele está registrado. Haveria assim um monitoramento do deslocamento do indivíduo, o que não poderia ser realizado sem autorização.